“O assento sela apresenta maior satisfação, menor risco ergonômico, impacta de forma positiva no alinhamento corporal lateral e nos problemas cotidianos relacionados à região cervical.”
Ergonomia
A ergonomia, também chamada de fatores humanos é o estudo da adaptação do trabalho ao ser humano, e tem evoluído de forma significativa ao longo dos anos. A Associação Internacional de Ergonomia define ergonomia (ou fatores humanos) como uma “disciplina científica relacionada com a compreensão das interações e adaptações entre seres humanos e outros elementos ou sistemas”. A recorrência de ações ergonômicas ocorre do homem para o trabalho. Isso significa que a Ergonomia deve partir do conhecimento do homem para fazer o projeto do trabalho, tentando ajustá-lo às suas capacidades e limitações.
Ergonomia na Odontologia
A ergonomia na Odontologia contribui para a manutenção da saúde ocupacional dos cirurgiões-dentistas (CD) por meio da preservação do equilíbrio entre as tecnologias disponíveis no consultório odontológico com o sistema musculoesquelético do profissional. Assim, o principal objetivo da ergonomia em Odontologia é agilizar o trabalho, aumentar a produtividade mantendo a saúde postural e qualidade de vida do CD.
Desde o desenvolvimento da Odontologia a quatro mãos na década de 1960, a posição sentada tornou-se a preferida na tentativa de reduzir o desconforto e fadiga típica do trabalho dental. No entanto, estudos apontam que, até os dias de hoje, a postura de trabalho sentada não eliminou o risco de desconforto e dor musculoesquelética.
Postura sentada
Sentar é uma posição antifisiológica, que provoca grande pressão nos discos intervertebrais. Estudos apontam que mesmo numa postura sentada considerada “ideal”, a mudança da posição de bipedestação para sedestação aumenta em 35% a pressão interna no núcleo dos discos intervertebrais e todas as estruturas que ficam na parte posterior da coluna vertebral são tensionadas, contribuindo para a alta prevalência de dor lombar em cirurgiões-dentistas em todo o mundo até os dias de hoje. Desta forma, a postura sentada deve ser neutra, mantendo as curvaturas fisiológicas da coluna vertebral (Lordose Cervical: convexidade voltada anteriormente; Cifose Torácica: convexidade voltada posteriormente; Lordose Lombar: convexidade voltada anteriormente). A postura sentada é descrita como uma postura ereta, dinâmica, com cabeça e tronco alinhados na vertical, membros inferiores fletidos acerca de 90º em quadris e tronco, e pés apoiados no solo. Nesta postura, as tuberosidades isquiáticas deveriam ser os principais pontos de apoio do corpo. No entanto, o projeto da maioria dos assentos convencionais não favorece o sentar ereto e dinâmico, aumentando a tensão passiva dos músculos Isquiotibiais, ocorrendo uma rotação pélvica posterior, resultando em uma postura sentada cifótica da coluna lombar. Contribui-se assim para um único perfil sagital em forma de C que compreende a coluna torácica e lombar, aumentando a lordose cervical e a rotação pélvica posterior.
Em 2013, a Associação Brasileira de Normas Técnicas por meio da Comissão de Estudo Especial de Ergonomia – Antropometria e Biomecânica (ABNT/CEE-136), elaborou a NBR ISO 11226. Esta norma é uma adoção à ISO 11226:2000. A NBR ISO 11226 contém uma abordagem específica sobre a postura estática de trabalho da população adulta. A amplitude articular máxima é descrita em grau respeitando as estruturas passivas como os ligamentos. Neste documento, a postura do tronco na posição sentada é considerada aceitável quando a coluna lombar não está retificada (cifose lombar), sendo aceitável a coluna lombar neutra (lordótica). Entretanto, o ângulo do joelho para a postura sentada, que impreterivelmente era preconizada a 90º, passou a ser considerada aceitável de 90º a 135º.
Assim, para evitar posições de alcance final potencialmente dolorosas e para facilitar a ativação dos músculos do tronco durante o estar sentado (postura sentada ativa), os benefícios potenciais das posturas da coluna lombar neutra foram enfatizados. Há um consenso entre vários estudos que a postura sentada lordótica da coluna lombar é tida como a ideal, pois favorece uma postura lombar neutra, minimizando a sintomatologia dolorosa e facilitando a ativação dos músculos do tronco durante o estar sentado. O desenho biomecânico do assento sela favorece o posicionamento e a manutenção da postura ativa e da coluna lombar neutra.
Conceito do assento Sela
O conceito do assento tipo sela foi desenvolvido partindo dos estudos apresentados por Corlett (1984; 1988; 1989) que indica qual a postura mais correta para a posição sentada. Este assento foi desenhado para permitir que as nádegas e coxas não fiquem comprimidas contra a cadeira devido ao suporte firme dos ossos ísquios. As coxas ficam inclinadas para baixo com um ângulo de 120 a 130º entre coxa e tronco, inclinando a pelve para uma posição quase neutra como se estivesse em pé, e ampliando a angulação do joelho. Isto permite que a região lombar inferior e tronco superior encontrem uma postura natural e relaxada sem a necessidade de estar encostado.
Os assentos dinâmicos, como o assento tipo sela, favorecem a postura da coluna lombar neutra. O assento dinâmico permite movimento constante, devido ao design da cadeira, enquanto está sentado.
Assim, o assento sela difere essencialmente na forma tradicional de se sentar. O controle postural requer uma interação completa entre o sistema neural e musculoesquelético. Através de sinais medulares o controle postural é efetuado pela ativação de músculos dos membros e tronco. Assim, alterações no padrão postural, pela utilização do assento tipo sela, podem causar sintomatologia dolorosa de 2 a 30 dias após o início de sua utilização. Essa percepção tende a diminuir gradualmente com a adaptação neuromuscular a nova postura de trabalho.
Desta forma, o assento sela vem sendo utilizado por profissionais da saúde, principalmente por cirurgiões-dentistas, em substituição ao mocho convencional, objetivando medidas preventivas ou corretivas aos problemas posturais, por reduzir a rotação posterior da pelve, por facilitar o posicionamento e a manutenção das curvaturas fisiológicas da coluna vertebral e pela menor compressão intradiscal.
Para finalizar, o assento sela pode evitar efeitos deletérios, portanto, ser benéfico na prevenção da dor e disfunções da coluna vertebral. Assim, o assento sela pode ser uma escolha de postura sentada dinâmica e posição de trabalho mais confortável para o Cirurgião-Dentista. Além disso, sugere-se uma maior reflexão sobre a escolha de assentos odontológicos na prática clínica diante dos aspectos positivos do assento sela.
PROFA. DRA. GIOVANA RENATA GOUVÊA- Cirurgiã-Dentista
- Educadora Física
- Doutora, Mestra e Especialista em Odontologia em Saúde Coletiva – FOP UNICAMP.
- Pesquisadora Colaboradora – FOP UNICAMP.
- Docente do Curso de Odontologia da FHO|FUNDAÇÃO HERMÍNIO OMETTO.
- Docente do Programa de Pós-Graduação em Odontologia, área de concentração em Ortodontia, da FHO|FUNDAÇÃO HERMÍNIO OMETTO.
- Autora da Tese de Doutorado Intitulada “A prática clínica odontológica: análise ergonômica da postura sentada”.
- Autora do artigo intitulado “Assessment of the ergonomic risk from saddle and conventional seats in dentistry: A systematic review and meta-analysis” publicado na Revista Plos One.
- Consultora Técnica Científica da Empresa Layout Medic.
contato: gigouvea@fho.edu.br
Referências Bibliográficas
ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR ISSO 11226 – Postura estática. Rio de Janeiro, RJ. 2013.
Botha PJ, Chikte U, Barrie R, Esterhuizen TM. Self-reported musculoskeletal pain among dentists in South Africa: A 12-month prevalence study. SADJ. 2014;69(5):208- 210-3.
Chovet M. Comfort of dentist and patient during sitting work. Rev Belge Med Dent. 1965;20(4):429-444.
Ç?nar-Medeni Ö, Elbasan B, Duzgun I. Low back pain prevalence in healthcare professionals and identification of factors affecting low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2017;30(3):451-459.
Claus AP, Hides JA, Morseley GL, Hodges PW. Is ‘ideal’ sitting posture real? Measurement of spinal curves in four sitting postures. Man Ther. 2009;14(4):404-408.
Corlett EN, Eklund JAE. How does a back rest work? Appl Ergon. 1984;15:111-114.
Corlett EN. The investigation and evaluation of work and workplaces. Eg. 0noic. 1988; 21(5):727-734.
Corlett EN. Aspects of the evaluation of industrial seating. Ergonomics. 1989;2:257-269.
Corlett, EM. Are you sitting comfortably? International J Industrial Ergonomics. 1999; 24:7-12.
Corlett, EN. Background to sitting at work: research-based requirements for the design of work seats. Ergonomics. 2006;49(14):1538-1546.
Corrocher PA, Presoto CD, Campos JADB, Garcia PPNS. The association between restorative pre-clinical activities and musculoskeletal disorders. Eur J Dent Educ. 2014; 18:142-146.
Dankaerts W, O’Sullivan PB, Burnett A, Straker LM. Differences in sitting postures are associated with non-specific chronic low back pain disorders when subclassified. Spine 2006;31(6):698-704.
Danis CG, Krebs DE, Gill-Body KM, Sahrmann S. Relationship between standing posture and stability. Phys Ther. 1998;78(5):202-546.
De Carvalho DE, Soave D, Ross K, Callaghan JP. Lumbar spine and pelvic posture between standing and sitting: A radiologic investigation including reliability and repeatability of the lumbar lordosis measure. J Manipulative Physiol Ther. 2010;33(1): 48-55.
De Carvalho DE, Callaghan JP. Influence of automobile seat lumbar support prominence on spine and pelvic postures A radiological investigation. J Manipulative Physiol Ther. 2011;43(5):876–882.
De Carvalho D, Grondinb D, Callaghanc J. The impact of office chair features on lumbar lordosis, intervertebral joint and sacral tilt angles: a radiographic assessment. 2016;23:1-12.
Eugster CM. The consequences of working in the sitting position. Rev Fr Odontostomatol. 1965;12(5):824-828.
Gadge K, Innes E. An investigation into the immediate effects on comfort, productivity and posture of the Bambach saddle seat and a standard office chair. Work. 2007;29: 189-203
Gaowgzeh RA, Chevidikunnan MF, Al Saif A, El-Gendy S, Karrouf G, Al Senany S. Prevalence of and risk factors for low back pain among dentists. J Phys Ther Sci. 2015;27(9):2803-2806.
Garbin AJ, Garbin CA, Diniz DG, Yarid SD. Dental students' knowledge of ergonomic postural requirements and their application during clinical care. Eur J Dent Educ. 2011:15:31–55.
Gouvêa GR, Vieira WA, Paranhos LR, Bernardino ÍM, Bulgareli JV, Pereira AC. Assessment of the ergonomic risk from saddle and conventional seats in dentistry: A systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2018 Dec 17;13(12):e0208900.doi: 10.1371/journal.pone.0208900.
Gouvêa, Giovana Renata. A prática clínica odontológica: análise ergonômica da postura sentada = The dental clinical practice: ergonomic analysis of the sitting posture. 2017. 1 recurso online (93 p.). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Piracicaba, SP). Disponível em:
http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/330894 . Acesso em: 23 nov. 2019.
Gupta A, Bhat M, Mohammed T, Bansal N, Gupta G. Ergonomics in dentistry. Int J Clin Pediatr Dent 2014;7(1):30-34.
Gupta D, Bhaskar DJ, Gupta KR, Karim B, Kanwar A, Jain A, et al. Use of complementary and alternative medicine for work related musculoskeletal disorders associated with job contentment in dental professionals: Indian outlook. Ethiopian J health Sci. 2014;24(2):117-124.
Harrison DD, Harrison SO, Croft AC, Harrison DE, Troyanovich SJ. Sitting biomechanics part I: review of the literature. J Manipulative Physiol Ther. 1999;22(9):594-609.
Hey HW, Wong CG, Lau ET, Tan KA, Lau LL, Liu KG, Wong HK. Differences in erect sitting and natural sitting spinal alignment-insights into a new paradigm and implications in deformity correction. Spine J.2017;17 (2):183-189.
Iida I. Ergonomia: projeto e produção. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2005.
International Organization for Standardization. ISO 11226:2000 - Ergonomics -- Evaluation of static working postures. 2000. Geneva:ISO.
Kanalayanaphotporn R. Changes in sitting posture affect shoulder range of motion. Bodyw Mov Ther. 2013;1-5.
Kortsch WE. Chairside equipment to lessen dentist fatigue. J Am Dent Assoc. 1964;68:763-765.
Kroemer KHE, Grandjean E. Manual de Ergonomia: adaptando o trabalho ao homem. 5ª Ed. Porto Alegre: Bookman; 2005.
Lis AM, Black KM, Korh H, Nordin M. Association between sitting and occupational LBP. Eur Spine J. 2007;16:283-98.
Makhsous M, Lin F, Bankard J, Hendrix RW, Hepler M, Press J. Biomechanical effects of sitting with adjustable ischial and lumbar support on occupational low back pain: evaluation of sitting load and back muscle activity. BMC Musculoskelet Disord. 2009;10(1):17.
Maylor EA, Allison S, Wing AM. Effects of spatial and nonspatial cognitive activity on postural stability. British Journal of Psychology.2001;92:319-338.
Mohseni-Bandpei MA, Rahmani N, Halimi F, Farooq MN. The prevalence of low back pain in Iranian dentists: An epidemiological study. Pak J Med Sci. 2017;33(2):280-284.
O’Sullivan K, O’Dea P, Dankaerts W, O’Sullivan P, Clifford A, O’Sullivan L. Neutral lumbar spine sitting posture in pain-free subjects. Manual Therapy 2010;15(6):557-561
O’Sullivan K. O’Sulliva L. Campbell A. O’Sullivan P. Dankaerts W. Towards monitoring lumbo-pelvic posture in real-life situations: concurrent validity of a novel posture monitor and a traditional laboratory-based motion analysis system. Manual Therapy.2012;17(1):77-83.
O'Sullivan K 1 , O'Keefe H , O'Sullivan G , O'Sullivan P , Dankaerts W . Perceptions of sitting posture among members of the community, both with and without non-specific chronic low back pain. Man Ther. 2013;18(6):551-556.
Prasad DA, Appachu D, Kamath V, Prasad DK. Prevalence of low back pain and carpal tunnel syndrome among dental practitioners in Dakshina Kannada and Coorg District. Indian J Dent Res. 2017;28(2):126-132.
Rundcrantz B, Johnsson B, Moritz L. Occupational cervicobrachial disorders among dentists: Analysis of ergonomics and locomotor functions. Swed Dent J, 1991; 15(5):105-115.
Rundcrantz BL, Johnsson B, Moritz U. Cervical pain and discomfort among dentists. Epidemiological, clinical and therapeutic aspects. Part 1. A survey of pain and discomfort. Swed Dent J, 1990;14:71-80.
Scannell JP, McGill SM. Lumbar posture – should it, and can it, be modified? A study of passive tissue stiffness and lumbar position during activities of daily living. PhysTher. 2003;83(10):907-917.
Womersley L, May S. Sitting posture of subjects with postural backache. J Manipulative Physiol Ther. 2006;29(3):213–218.